sábado, 26 de abril de 2014

Especial SHOWBIZZ: Legião Urbana - O Caderno Perdido de Renato Russo - Parte 1

Em 1999, a revista SHOWBIZZ postou uma de suas matérias mais conhecidas pelos fãs da Legião Urbana: O Caderno Perdido de Renato Russo.
Com letras inéditas compostas por Renato Russo, ficou esquecido em uma caixa de papelão por doze anos. Agora a juventude e a genialidade do poeta e toda história de uma época efervescente do Rock Nacional voltam a tona nesta descoberta. por Felipe Zobaran.

Numa tarde de janeiro de 1991, Renato Russo alugou uma suíte do Hotel Sheraton, um dos mais caros do Rio de Janeiro, com vista para o mar e a praia de Ipanema. Ele ainda morava com a família na Suburbana Ilha do Governador e alugar um quarto de Hotel era habitual quando queria ficar sozinho. Dinheiro não era problema para um grande astro como Renato Russo. Ele pegou o telefone e ligou para o escritório de Luís Fernando Artigas, produtor dos primeiros shows da Legião Urbana e velho amigo dos tempos de Brasília. "Tô no Sheraton, vem pra cá", pediu.
Na suíte, Renato coordenava uma festa particular com muitos estimulantes, num estado de hiperatividade que Luís Fernando já conhecia. Renato não estava bem de cabeça e procurava fugir da depressão. Ele descobrira que era soropositivo.
Tarde e noite adentro Renato falou sem parar, de tudo: música, política, amor, família. E falou também de um certo caderno dele que teria ficado com Felipe Lemos, o Fê, baterista do capital Inicial e também velho amigo de Brasília. Renato queria que Luís Fernando pedisse a Fê o caderno de volta.
Mas Luís Fernando não ligou para Fê Lemos. Na ressaca do dia seguinte, ainda abalado pelas outras coisas que ouvira do amigo, ele esqueceu o pedido de Renato. Fê só foi saber que Renato queria o caderno dois anos depois, em São Paulo, por uma estranha coincidência.
"Foi uma situação esquisita", lembra Fê. "Dei carona pra um amigo de um amigo que disse conhecer o Renato, com quem eu não falava há um tempo. Pra mim ele tinha se tornado inacessível. Aí o cara disse, sem mais nem menos, que eu tava com um livro que era do Renato. Levei um susto. Pô, só podia ser o caderno do Aborto Elétrico!"
Fê foi procurar no Fundo de um baú empoeirado que guarda recortes do início de sua carreira em Brasília e achou o caderno de letras compostas por Renato Russo para o Aborto Elétrico entre 1977 e 1981.
Três anos depois, Renato morreu sem ter visto novamente o caderno do Aborto Elétrico.

Subindo a Colina
Brasília. meados de 1978. ínicio do processo de abertura política que botou fim na dita­dura militar. Aos
16 anos, Felipe Lemos, filho de um professor da Universidade de Brasília, voltara de uma estadia na Inglaterra com os pais para morar num conjunto de quatro prédios, com vista para o Lago Norte, apelidado de Colina. Os apartamentos eram espaçosos e serviam de residência para os professores.
Numa noite, uns amigos levaram Fê a uma festa onde a vitrola tocava músicas do Sex Pistols, Ramones e The Clash, as mesmas que Fê Lemos ouvia na Inglaterra. Querendo saber quem era o dono dos discos, Fê foi apresentado a um sujeito estranho, que usava camisa social e andava segurando uma capanga numa mão e um guarda-chuva na outra. Era Renato Russo.

Foi uma afinidade imediata por causa daqueles discos e ele passou a freqüentar minha casa todo dia, lembra Fê. Logo Renato estava enturmado na Colina, onde viria a se formar o núcleo da maioria das bandas de Brasília. No começo era apenas uma turminha de garotos que gostavam de punk rock e se reuniam para ouvir música tomar porres de vinho Chapinha, fumar baseado e cheirar benzina de vez em quando.
Às vezes, o clima pesava. Renato e Fé, dopados e entediados, sentaram-se na escada de serviço de um dos prédios para conversar, Renato no degrau de cima e Fé no de baixo. De repente, sem aviso, Renato começou a fazer xixi nas calcas. Fiquei chocado. Provavelmente era o que ele queria, Levantei xingando e fui pra casa. Ele ficou lá, todo molhado, conta Fê. Nessa noite, como em muitas outras, Renato voltou para casa a pé, uma caminhada de pelo menos duas horas na escuridão da madrugada.
Renato ainda não tinha 20 anos. Chocar as pessoas era uma de suas prioridades.


Clube da criança junkie
Renato Russo respirava música. Seu quarto era um festival de colagens, mais de 500. Tinha tanta coisa para ver que quem entrava ali podia ficar horas de olhos grudados nas paredes. Havia também uma imensa coleção de discos e livros e um aparelho de som com quatro caixas, o melhor da cidade. Era nesse quarto que ele enfrentava o tédio das tardes de Brasília.




Renato era do tipo aglutinador. Ligava para todos da turma, marcava os encontros, tinha idéias para atividades em grupo e quando começava a falar era difícil pará-lo. Extremamente bem-informado, tinha uma cultura vasta e adorava planejar o futuro de sua própria vida. Tinha gente em Brasília que o achava chato. Pelo menos quando bebia demais e resolvia espalhar seu excesso de amor nos bares da cidade.
Ainda em 1978. Renato conheceu Andre Pretorius, que andava na cidade vestido de punk e era filho de um diplomata da África do Sul. Pretorius e Fê haviam combinado montar uma banda com André Muller, que estava morando na Inglaterra. Mas Renato precipitou os acontecimentos e convidou Fé e Pretorius para formar uma banda com ele no baixo, Fé na bateria e Pretorius na guitarra.
"A gente tava na Colina sentado no chão, pensando qual ia ser o nome da nossa banda. Eu tava com um negócio de elétrico na cabeça e alguém falou tijolo elétrico. Aí o Andre Pretorius falou: não, Aborto Elétrico", recorda Fê. Segundo ele, a versão de que o nome da banda é por causa de um cacetete elétrico. usado pela polícia de Brasília em atos de repressão, não é verdadeira.
Renato escreveu “I want to be a junkie” na parede do quarto, apesar de nunca ter sequer visto as drogas realmente pesadas. E começou a compor o repertório do grupo. Estava formada a "mãe" de todas as bandas de Brasília.

Leia aqui a parte 2